segunda-feira, julho 07, 2003
estreia nacional restrita ou entrada triunfal de sugarqueen
Ele me vinha naquela quarta-feira parada com seu açucar marrom debaixo da lingua e mil braços procurando axilas quentes onde se acomodar, pronto para criticar a palidez anormal do meu rosto, as olheiras, os vincos no canto da boca. Podia reparar que ele desistira do expediente do chocolate, que ficava sempre naufrago sobre a mesa, intocado e ofendidissimo, recebendo olhares gulosos da gorda esquisita que sempre estava por ali aquela hora. Eu fechava contrafeita o livro e o encarava por tras dos oculos esperando a serie de perguntas de praxe: voce comeu? voce dormiu? voce terminou os trabalhos? Me perguntava sempre se ele nunca seria mais criativo, talvez incluindo voce finalmente contou pra sua mãe que vendeu o relicario da sua bisavo? voce bateu punheta de novo pensando na professora? Mas nao. Ele suspirava, puxava um cigarro (a gorda sempre pedia um cigarro nessa hora, eles acabariam trepando, eu apostava, e apostava que ela tinha varizes monstruosas), tragava devagar tentando uma cara de terapeuta, como se ja nao bastasse o meu e seus discursos edificantes, e vinha com a ultima e odiada pergunta, voce esta tomando seus remedios direitinho? Mas porra, cara, se eu gasto cem paus por mes com um monte de comprimido colorido (brancos azuis e cor-de-rosa em capsulas com letrinhas) eh pra tomar direito, nao? Nessas horas ele me lembrava muito meu pai nao entendendo nunca como era possível um ser humano fazer uso de tres psicotrópicos, psiquiatra, terapeuta corporal, yoga, e não conseguir levar uma vida de gente. Ambos eram completamente incapazes de perceber que eu era um buraco ambulando por aih, dependurada mas muito afim de cortar os fios ainda, e que os dias de humor acido eram os unicos possíveis dentro do meu vazio e da minha incompetencia. Caralho, a gorda podia ter nascido gorda (ela estava agora olhando fixo pra frente e eu tinha ganas de rir), porque eu nao podia ter nascido triste? Nao, nao me alegrava ter a familia classe-media equilibrada que eu tinha, nao me alegrava ter feito intercambio pra Noruega e ter passeado na Oslomarka num frio absurdo, nao me alegrava a casinha com cachorro e piscina, o namorado atencioso e as trepadas formidaveis, era tudo oco pra mim e ja era uma grande merda ter consciencia de que eu era uma carne errada com defeito de neurotransmissores, piorava 200% com pessoas em volta me abanando e fazendo piruetas pra arrancar um sorriso de doh. Eu era triste, eu era um bebe quieto e silencioso com olhos turvos que nao brincava com o Zé Teimoso no berço e nem com a corujinha que fazia barulho, eu sempre tinha sido triste e agora mais ainda com a porra da menstruação muito atrasada e aquele imbecil de 24 anos na minha frente fazendo uma flor de origami pra colocar entre os meus dedos da mao. Eh melhor você dobrar um bercinho, falei com raiva, mas ainda bem que ele estava atarefadissimo fazendo a terceira dobra.
Ele me vinha naquela quarta-feira parada com seu açucar marrom debaixo da lingua e mil braços procurando axilas quentes onde se acomodar, pronto para criticar a palidez anormal do meu rosto, as olheiras, os vincos no canto da boca. Podia reparar que ele desistira do expediente do chocolate, que ficava sempre naufrago sobre a mesa, intocado e ofendidissimo, recebendo olhares gulosos da gorda esquisita que sempre estava por ali aquela hora. Eu fechava contrafeita o livro e o encarava por tras dos oculos esperando a serie de perguntas de praxe: voce comeu? voce dormiu? voce terminou os trabalhos? Me perguntava sempre se ele nunca seria mais criativo, talvez incluindo voce finalmente contou pra sua mãe que vendeu o relicario da sua bisavo? voce bateu punheta de novo pensando na professora? Mas nao. Ele suspirava, puxava um cigarro (a gorda sempre pedia um cigarro nessa hora, eles acabariam trepando, eu apostava, e apostava que ela tinha varizes monstruosas), tragava devagar tentando uma cara de terapeuta, como se ja nao bastasse o meu e seus discursos edificantes, e vinha com a ultima e odiada pergunta, voce esta tomando seus remedios direitinho? Mas porra, cara, se eu gasto cem paus por mes com um monte de comprimido colorido (brancos azuis e cor-de-rosa em capsulas com letrinhas) eh pra tomar direito, nao? Nessas horas ele me lembrava muito meu pai nao entendendo nunca como era possível um ser humano fazer uso de tres psicotrópicos, psiquiatra, terapeuta corporal, yoga, e não conseguir levar uma vida de gente. Ambos eram completamente incapazes de perceber que eu era um buraco ambulando por aih, dependurada mas muito afim de cortar os fios ainda, e que os dias de humor acido eram os unicos possíveis dentro do meu vazio e da minha incompetencia. Caralho, a gorda podia ter nascido gorda (ela estava agora olhando fixo pra frente e eu tinha ganas de rir), porque eu nao podia ter nascido triste? Nao, nao me alegrava ter a familia classe-media equilibrada que eu tinha, nao me alegrava ter feito intercambio pra Noruega e ter passeado na Oslomarka num frio absurdo, nao me alegrava a casinha com cachorro e piscina, o namorado atencioso e as trepadas formidaveis, era tudo oco pra mim e ja era uma grande merda ter consciencia de que eu era uma carne errada com defeito de neurotransmissores, piorava 200% com pessoas em volta me abanando e fazendo piruetas pra arrancar um sorriso de doh. Eu era triste, eu era um bebe quieto e silencioso com olhos turvos que nao brincava com o Zé Teimoso no berço e nem com a corujinha que fazia barulho, eu sempre tinha sido triste e agora mais ainda com a porra da menstruação muito atrasada e aquele imbecil de 24 anos na minha frente fazendo uma flor de origami pra colocar entre os meus dedos da mao. Eh melhor você dobrar um bercinho, falei com raiva, mas ainda bem que ele estava atarefadissimo fazendo a terceira dobra.