segunda-feira, abril 05, 2004
a moteis baratos eles costumavam ir. aqueles com escadas que se torciam sobre elas mesmas e uma recepcionista que lia a biblia atras da grade da recepçao. e que invariavelmente estavam com o elevador estragado, ou nem tinham elevador. e o cafe da manha era servido com frutas compradas no camelo da esquina. peras estranhas, ou bananas (sic). a cama fixa no chao, alguns com o indefectivel espelho no teto, os chinelinhos descartaveis e o sabonete pequeno de erva doce. nao era mais possivel sentir o cheiro em alguem e nao lancar um olhar cumplice para o outro. eles iam a moteis baratos. moteis que um outro amigo nao podia frequentar porque estava acompanhado de outro homem e isso "iria denegrir a imagem do lugar', ao que o amigo, gargalhando, bebado, as 4 da manha, apontou as putas que faziam fila no corredor e perguntou se aquilo entao. quando acordavam era sempre quarta feira e ja havia pessoas na rua, pessoas ocupadas, maes com filhos ranhentos (teriam sido feitos os filhos nas camas dos moteis baratos ou nas camas de compensado compradas a prestacao numa grande loja de moveis populares?), vendedores com suas barracas montadas sobre os passeios que a noite estavam cobertos de papel e silencio escuro, office boys e seus envelopes pardos e gastos, senhoras dirigindo-se a algum armarinho em busca de linha para croche. acordavam e tomavam banho com os chinelinhos descartaveis, o que nao fazia muita diferenca porque pisavam com os pes nus no chao quando voltavam pra cama - a ultima meia horta antes de vencer o prazo do pernoite - o chao do quarto que quantos teriam pisado com os sapatos sujos e muito menos amor do que eles, que iam a moteis baratos durante a semana sempre que era possivel, e subiam as escadas que se torciam sobre eles mesmos e encaravam com um pouco de ternura vazando a recepcionista de unhas vermelhas e longas e que lia a biblia e subiam novamente as escadas e se trancavam no quarto barato e triste mas com tanto, tanto amor, que nao era sordido nem asqueroso como tinha sido algumas vezes para ela e nem insignificante e fisiologico como tinha sido outras vezes para ele, mas era puro e limpo como deveria ser - e nao era- o branco dos lencois e da fronha do travesseiro.